terça-feira, maio 08, 2007
posted by Mar da Lua at terça-feira, maio 08, 2007

Naquele momento os braços fortes de Martim que a apertavam num abraço quase incrédulo e com laivos de culpa souberam-lhe melhor que o refresco de maçã e menta, pareceram-lhe mais calorosos que os da sua própria mãe quando era criança e se aninhava neles e neles se entregava ao sono, receberam como nenhuns outros as grossas lágrimas que caiam descompassadamente do peito de Mónica.
- “Estás mais calma Moquinhas? Então amiga, tens que ter calma pá. Estas coisas são mesmo assim. A malta acha que tem a vidinha toda organizada, que nada vai roubar-nos a estabilidade e depois levamos uma bofetada que nem sabemos de onde veio.”
- “Oh Martim, tu conheceste-nos, tu conheces a nossa vida há nove anos. Eu nunca pensei que isto fosse possível. Eu amo a Joana como no primeiro dia. Ela tirou-me o chão debaixo dos pés, entendes?” perguntava sem esperar respostas enquanto escondia o mundo nas mãos e nelas a cara.
- “Bem, vamos lá tratar de ti que, nem por sombras, te quero ver nesse estado. Vais connosco para o hotel, tomas um bom banho, vestes qualquer coisa da Alex e vamos para um terraço fumar uma erva e beber um copo. Depois jantamos e ficas como nova!...e nem há desculpas”
Mónica não tinha forças sequer para argumentar. Sentia-se esvaída da descarga de lágrimas que pareciam não saber quando parar e quando voltou a tomar consciência do tempo e do espaço, estava já na suite de Martim e Alexandra com a água do banho a correr para uma imensa banheira imperial e, auxiliada por Alexandra – felizmente não era a “legítima” Mariana que com a sua beatice latente lhe daria um sermão sobre o pecado da homossexualidade e lhe asseguraria que o rompimento era obra da providência divina – começava a sentir cada músculo relaxar e voltar a si e a cabeça a começar a deixar de rodopiar numa quase agonia que lhe arrancava as entranhas.
Mónica vestiu uma túnica branca de linho de Alexandra e calçou as mesmas sandálias de couro que trazia compradas em Hurghada, no Egipto, numa das muitas viagens que fizera com Joana.
De frente para o imenso espelho mourisco – que revestia quase na integra uma das paredes do quarto de banho do Ksar Char-Bagh, um dos mais luxuosos hotéis de La Palmeraie - Mónica passou um pente pelos cabelos escuros escorridos escadeados sobre os ombros e voltou a colocar um conjunto de pulseira e colar de couro e conchas regateado na feira hippie de Ipanema e - do alto dos seus trinta e um anos- , apesar da tristeza que era capaz de ler nos seus imensos e amendoados olhos negros, Mónica gostou do que viu. Pareceu-lhe limpa de corpo e alma e a transparência da túnica emprestada fazia perceber um corpo bem delineado e firme que lhe fez dar graça pelas horas de ginásio e de bicicleta entre o Estoril e o Guincho ao final do dia.
Mónica e Joana conheceram-se quando a primeira estava no terceiro de Medicina e resolveu acompanhar uma amiga de sempre na viagem de finalistas do curso de gestão a Nova Iorque. Joana, também ela finalista de gestão, encantou-se com Mónica que igualmente se perdeu de encantos por ela e, sem se aperceberem, o encanto virou paixão e da paixão se fez amor, um amor saudável, aberto, lindo como gostavam de lhe chamar, sem fugas ou mentiras, sem traições e sem jogos escusos. Mesmo agora, amachucada pela mágoa e pela dor da perda, Mónica reconhecia que até na hora final Joana tinha sido recta e vertical, tinha sido digna e tinha exigido dela a mesma postura.
Um dia, sem qualquer aviso, sem qualquer sinal, Joana - que chegou a casa depois de um jantar de trabalho - disse a Mónica que tinha conhecido uma mulher que mexia com ela. Mexer com ela, o que raio é isso de mexer com ela? Então põe-se em causa uma vida em comum porque alguém mexe com ela? Mónica devastada, Joana irredutível. “Não te posso enganar por um segundo que se seja Mó. Tu não me mereces isso, Nós não merecemos isso”. Assim fora e Joana saíra da casa de ambas apenas duas semanas depois.
- “Então princesa…estás pronta ou quê?” irrompeu a voz grave de Martim.
Mónica saiu de braço dado com Martim e Alexandra e ambos se esforçavam por arrancar-lhe uma ou outra gargalhada até chegarem ao fabuloso terraço, repleto de recantos e almofadas espalhadas pelo chão, de rolos onde um ou outro hospede se recostavam para assistir ao pôr do sol enquanto os solícitos empregados vinham preparar os narghilas, ou cachimbos de água, enchendo o ar de fumo e aromas de maçã ou morango ou qualquer outro dependendo do gosto misturado com erva.
Recostado e confortável, o trio deliciava-se com um refresco de maçã e menta reforçado com uma dose generosa de rum a pedido de Martim. Irritava-o que os marroquinos fossem tão puritanos com o álcool e fazia questão de os chocar com estes estranhos “aditivos”.
-“Estes gajos são estranhíssimos. Charram-se a torto e a direito, mas beber um copo está fora de questão!” e ria animadamente, mais para arrastar Mónica para a sua boa disposição do que por uma genuína vontade de rir.
- “Olha, estão ali uns colegas meus porreiros, vou desafiá-los para se juntarem a nós. Tu sabes Moquinhas que os psiquiatras são todos chanfrados, começando por mim.” Dizia enquanto fazia sinal a um pequeno grupo para que se juntasse a eles.”Meninos, esta é a Mónica Bastos Franco, cirurgiã, minha colega de faculdade que encontrei esta tarde em Jemaa el-Fna e, claro, arrastei-a logo para aqui. Mocas, estes são o Pedro Magalhães, a Marta Vasco e o Eurico Martins, todos psiquiatras, este é o Tiago – o namorado do Eurico - e esta é a Gui, aliás a Margarida, delegada do laboratório que nos proporciona estes dias fabulosos.” Enquanto piscava o olho a Margarida que lhe retribuía da mesma forma.
O grupo fez arrastar a tarde de forma agradável e Mónica dava graças por ter encontrado Martim, a simpática Alex que o acompanhava e este divertido grupo que a distraiam da sua dor, do seu casulo onde escondera a cabeça e deixara a alma de fora.
 
2 Comments:


At maio 08, 2007, Blogger Sabor a mim

Já estou ansiosa por mais um cheirinho, "amanhã à mesma hora".
Marraquexe tem - sem dúvida - um pôr-do-sol fantástico. Beijos

 

At maio 09, 2007, Blogger M5Sol

Este cheirinhos só nos aguçam o apetite para mais e mais.
Fico à espera do próximo.
De preferência rapidinho.