segunda-feira, maio 07, 2007
posted by Mar da Lua at segunda-feira, maio 07, 2007

Nunca nada lhe tinha sabido tão bem como aquele fresquíssimo refresco de maçã e menta. Sentada duma nas esplanadas da praça e de copo encostado à cara, Mónica conseguia alcançar com os olhos o muito onde a alma não lhe chegava e, nesse momento, sentiu um mar revolto a rebentar-lhe do peito e a fazer-se sal na grossas gotas que lhe saltavam dos olhos para se aninharem na curva no decote do pescoço alto e delgado.
Os cabelos encaracolados teimavam em colar-se-lhe ao rosto e à testa e começava a questionar-se sobre esta viagem decidida à pressa para fugir de si mesma e do que lhe toldava o espírito e os dias. Marraquexe em pleno Julho é insuportável, mas insuportável seria também Lisboa, Budapeste ou Moscovo. Não era o calor que a atormentava. Antes fosse, mas não! Era o frio da alma que tornava qualquer espaço sufocante e qualquer hora insustentável.
Sabia que no Hospital todos se tinham apercebido de que algo não estava bem, sentia que se tinha fragilizado aos olhos dos colegas, das enfermeiras, felizmente – pensava para si mesma – os doentes não deram por nada.
Filha e neta de cirurgiões de renome, Mónica tinha começado a trabalhar no Hospital assim que terminara o estágio de internato e sempre, toda a sua vida, foi a menina certinha, com as médias exactas, que faz justamente o que dela se espera. Estava cansada. O fim da sua relação de quase nove anos com Joana atirara-a para um limbo estranho de loucura, de atitudes inesperadas, de contradições, de despropósitos, como aliás, começava a achar que era esta decisão de viagem e embarque em dois dias para Marrocos.
Os olhos negros prostrados em admiração ante si arrancaram-na às trevas dos seus sentires mais profundos, quando as lágrimas voltaram a rolar pela face à simples lembrança do nome de Joana. Um garoto de olhos muito escuros, de vestimenta de um branco muito encardido e de mão estendida de frente para si, despertou-a de novo para a realidade da África árabe e, quase sem se dar conta, Mónica puxou de alguns dirhams e depositou-os na mão do rapaz com o mesmo carinho com que lhe depositou uma festa nos cabelos tisnados e em desalinho. Não se moveu, não mexeu um músculo quando o rapazito largou numa corrida depois de cumprir o seu propósito, mas acompanhou-o com os olhos e, no percurso deteve-se ante a visão de uma cara familiar que lhe sorria num abrir escancarado de dentes imaculadamente brancos.
-“Dra. Mónica, que estranho sitio para nos encontrarmos!”
Demorou ainda uns segundos a realizar a improbabilidade de se cruzar com alguém na Jemaa el-Fna – a praça central de Marraquexe – mas a cara familiar de Martim Bastos Silva, colega de faculdade que por força da especialização tinha virado psiquiatra, trouxe um sorriso à cara de Mónica.
Depois dos abraços e devidas apresentações, uma vez que Martim estava acompanhado não da mulher que Mónica conhecia mas de “uma amiga” como o próprio referiu engasgado, os três sentaram-se de novo de olhos nas gentes e nas cores que enchem Jemaa el-Fna de vida.
-“Estou aqui num congresso de um Laboratório e tu Moquinhas, que fazes por estas bandas? Mais uma lua de mel com a tua Joana? E onde raio se meteu essa miúda, gostava de lhe dar um abraço. Há quase um ano que não a vejo, desde o último jantar em que apanhamos todos uma osga tremenda, lembras-te?” Questionava enquanto se apressou a explicar a Alexandra – a “amiga que o acompanhava – que Mónica namorava com Joana desde os tempos de Faculdade.
- “Martim, eu não…a Joana já não…ela saiu de casa, saiu de…nós!” Conseguiu ainda articular antes de rebentar num tremor de soluços que a impediam de proferir uma palavra mais que fosse.
 
10 Comments:


At maio 07, 2007, Blogger Mónica Lice

Fiquei com saudades de Marrocos...:)

Beijinhos e uma boa semana!

 

At maio 07, 2007, Blogger M5Sol

Não resulta fugir para lugar nenhum do Mundo para fazer passar a dor de Amor.
É uma dor que só passa com o tempo e que nos corrói até mais não.
Mas a descrição faz-nos viver o acontecimento descrito.

 

At maio 07, 2007, Blogger Mar da Lua

a lice: Obrigada. Volta sempre...aqui e a Marrocos.

 

At maio 07, 2007, Blogger Mar da Lua

m5sol: "Para qê fugir se me levo comigo" dizia sabiamente Marguerite Yourcenar.
Este é um cheirinho de uma coisa nova na qual ando a trabalhar ;)

 

At maio 07, 2007, Blogger M5Sol

Já estou muito curiosa e ansiosa por um novo capítulo.

 

At maio 07, 2007, Blogger Sabor a mim

Ó rapariga... tu nasceste p'ra isto. Toca a escrever, escrever, escrever... e que venham muitos cheirinhos. Beijocas e PARABÉNS

 

At maio 08, 2007, Blogger Angell

Á avaliar por esse cheirinho que nos deixas-te! Acho que o teu trabalho promete!

Boas escritas... :)

Bjs!

 

At maio 08, 2007, Blogger Mar da Lua

Sabor a Mim: Obrigada minha linda, mas é mais vontade que jeito.

 

At maio 08, 2007, Blogger Mar da Lua

Angell: Obrigada por isso. É bom ir deixando aqui uns cheirinhos :)

 

At maio 08, 2007, Blogger Sabor a mim

Pois então, que andes sempre cheia de vontade. Adorei