Pouco passava das quatro no mostrador digital do relógio da mesinha de cabeceira quando, uma vez mais nessa noite, Alexandra acordou empapada de suor e medo. Sentia os dedos crispados e as dores fortes nas articulações pareciam dilacera-la. Os restos de culpa e álcool vinham visitá-la uma vez mais e, aos poucos, parecia voltar ao seu estado de consciência perfeita que fazia do arrependimento o seu único companheiro de madrugada. Na cama mais uma volta. Gelou! As suas pernas tinham encontrado outras. Rebuscou nos cantos da parca memória que as réstias de noite lhe permitiam. Quem era aquela pessoa? Abriu devagar os olhos com medo da realidade que tinha certeza de encontrar e, com gestos lentos e cautelosos, deitou a mão ao interruptor do candeeiro a seu lado.
Um seio nu. Lençol. Uma coxa e um mar ondulado de cabelos cor do trigo na colheita despertaram-na completamente. O rosto escondido debaixo de um braço fazia prevalecer o mistério como se de um baile de máscaras se tratasse e como se tivesse que adivinhar um par de olhos atrás de uma mascarilha de lantejoulas e plumas. O corpo moveu-se dengosa e preguiçosamente debaixo do lençol deixando à vista uma barriga imaculadamente lisa com um botão de rosa que lhe servia de umbigo adornado por um objecto de metal. A boca articulou qualquer coisa e da garganta saiu um som rouco e ronronante. O braço descreveu um movimento semelhante ao que descrevem os dos nadadores de crwall e mergulhou sobre o peito também desnudado de Alexandra. O peso daquele braço e o ligeiro roçar daquela pele na sua despertaram-lhe um arrepio misto de surpresa e prazer. Um calor imenso começou a invadir Alexandra e um roçar de pernas e peles disparou o seu coração. O medo e o suor voltaram a acompanhá-la e, instintivamente a mão de Alexandra desceu devagar até ao umbigo daquela que partilhava a sua cama e continuou a descer num jogo de dedos cauteloso ao início mas que se inquietava para um baile frenético de prazer. O toque no corpo de uma desconhecida ao lado de quem acordara parecia-lhe agora um jogo perigoso mas inevitável. A mulher, ainda de olhos fechados como se não tivesse despertado, gemia baixinho e contorcia as coxas parecendo querer engolir a mão de Alexandra. A expressão mista de sofrimento e prazer e os olhos ainda fechados angustiavam Alexandra, mas a dança era inevitável, o ondular de coxas e mãos, o vai vem de dedos e os sussurros incontroláveis. Sentia o prazer em todos os contornos de um corpo que desconhecia, sentia os dedos molhados de excitação e reconhecia a mesma excitação no seu próprio corpo, tacteava a pele de lés a lés, entrava e saia daquele corpo que parecia moldar-se a ela numa corrida a galope e gritou de prazer quando sentiu aquela mulher, agora de olhos já bem abertos (e que bonitos eram aqueles imensos olhos cor de mel), entrar em si como se sua fosse, sem reservas e sem cuidados. Gritou de prazer quando se sentiu invadida e cheia por uma mulher que não sabia quem era mas que ali, naquele momento e naquele espaço, era rainha de um reino inteiro de prazer e volúpia, de gemidos e bailados, de ritmos e orgasmos. Veio-se uma, duas, muitas, várias vezes como há muito não tinha memória e de cada vez parecia que aquela mulher ordenava mais uma e mais outra. De cada vez parecia que aquela mulher a assaltava e irrompia pelo seu corpo como se o mundo acabasse ali, naquele quarto, naquelas quatro paredes fechadas numa madrugada qualquer de uma noite de Lisboa. A nuvem azulada que subia em espiral perfeita do cigarro preso aos lábios de daquela estranha parecia elevar Alexandra a um estado hipnótico de apatia serena. De olhos presos no fumo que bailava ao sabor da brisa que entrava de mansinho pela janela entreaberta do quarto, Alexandra inspirou e ganhou coragem para proferir as primeiras palavras quando Rita, que a olhava de uma forma cortantemente profunda a interrompeu: - “Não vale a pena! Não te esforces! Já sei e vou já sair. Só queria acabar o cigarro e tomar duche, pode ser?” -“ Claro…não era isso…eu…é que. Ouve, eu não sei o que é que aconteceu ontem. Sei que bebi demais, sei que acordei contigo, sei que nos embrulhámos mas não sei mais nada. Nem sequer o teu nome e isso não é normal! Eu não costumo ser assim!” - “Pois! Já sei. Não te preocupes com isso. Eu não bebi demais e vim porque tu me convidaste. Conhecemo-nos. Estavas com umas amigas a quem já não via há uns tempos e acabamos por ficar todas à conversa. Fomos para a pista dançar e já tarde tu insististe que querias ficar. Elas estavam com sono, foram para casa e eu segui contigo. Depois acabei por te vir trazer e pediste-me que cá ficasse. Hoje acordei contigo em cima de mim e o resto tu já sabes. Mas não é grave, tudo bem. Ninguém precisa de saber, como te disse, só queria tomar um duche e saio já!” Na cara de Alexandra bailava um sorriso maroto com um misto de consternação e vergonha. -“Só falta saber uma coisa…(enquanto passava os dedos pelos cabelos de Rita)…o teu nome!” Sorrindo enquanto selava a pergunta e a boca de Rita com um beijo.